quarta-feira, 16 de março de 2011

O Egoísmo Social e a Mobilidade Urbana








A foto acima foi tirada por Margaret Bourke-White durante a Grande Depressão do final dos anos 20, mas serve como irônica e triste metáfora à Nova Orleans da era Bush. "O mais alto padrão de vida do mundo", diz o cartaz atrás da fila de desempregados.
O Egoísmo Social e a Mobilidade Urbana
Em 22 de Setembro de 2008, no auditório do Ministério das Cidades, aconteceu o Seminário “Jornada Na Cidade Sem Meu Carro”. Dos que participaram do evento, 80% chegaram a ele conduzindo um automóvel ou vieram como passageiro de veículo motorizado. O evento teve a abertura do Ministro das Cidades, do Governador de Brasília e do representante do DENATRAN. Não pode ser dito que foi hipocrisia, mas o Ministro chegou ao evento pedalando uma bicicleta emprestada, em um trecho de menos de dois quilômetros. Valeu pelo simbolismo.
Ao final do evento todos se dirigiram aos seus carros e o Ministro, seguiu para outro rumo no banco de trás do automóvel oficial, guiado por seu motorista vestido de quepe e da pompa da institucionalidade do cargo, felizmente sem luvas brancas.
Estamos todos doentes. A velocidade dos automóveis, reflexo dos avanços buscados a peso de ouro e dos petro-euros pelo mundo da Fórmula 1, pela Fórmula Indy, é objeto de consumo impossível para os citadinos. Nas cidades, nossas velocidades de segurança não devem ultrapassar a 60 km/h, sendo 45 km/h, segundo estudos de vários institutos de pesquisa da Alemanha, da Holanda e da Suécia, aquela em que um pedestre tem 85% de chance de sobreviver num atropelamento. Não é à toa que hoje circula em toda Europa forte campanha para convencer as autoridades municipais a adotar para a maioria das vias urbanas a velocidade de 30 km/h.
Muitos diriam ser pouco. Mas quanto vale a vida dos nossos avôs, bisavôs ou das nossas crianças? O automóvel vem se transformando no nosso bem, nosso mal, desde seu início, no final do Século XIX. Nascido simultaneamente com a bicicleta, da mesma forma que a magrela, faz tempo já atingiu o seu limite de desenvolvimento e eficiência.
No livro o Choque do Futuro foi mostrada a sua ineficiência. Embora atraente, foi mostrada como esta máquina é extremamente incompetente. Para transportar de 60 ou 85 kg do peso de um adulto a tara (o peso próprio) dos automóveis tem de 1.100 a 1.700 kg. A bicicleta, para transportar este mesmo peso de carga não tem mais de 15 kg. Assim, o automóvel carrega vinte vezes mais o peso da carga a transportar, enquanto a bicicleta tem seis ou sete vezes menos o peso da carga transportada.
Muitos diriam isto é bobagem, o importante é que dentro do meu veículo ouço música, estou “protegido” “protegida”, ele me leva onde quero, “rapidamente”. Mas protegido do quê? O acidente entre veículos motorizados é a segunda “causa mortisem nosso País há muito tempo. Consegue fazer mais vítimas do que os atropelamentos de pedestres e de ciclistas. Senão vejamos alguns dados apenas da nossa cidade símbolo da motorização e quarta maior metrópole do planeta.
Pois São Paulo, em 2005, apresentou 1586 mortos no trânsito, sendo 757 pedestres; 39 ciclistas; 177 motociclistas e 132 passageiros de automóveis. Embora estes dados retirados do “blog” “Apocalipse Motorizado” tenham sido elevados em muito nos últimos três anos, eles já mostram o cenário de guerra no qual vivemos. Somente para se ter uma idéia, em 2008 o número de motociclistas mortos ascendeu para 857, segundo dados da Companhia de Engenharia de Tráfego – CET. E em 2010 ultrapassou a 1.000 mortes.
Mas o automóvel é o meu conforto e não abro mão dele, diriam os mais acostumados às comodidades da motorização. Está certo. E no feriado da Semana Santa de 2009, os jornais estamparam em suas páginas “São Paulo bate recorde de congestionamento – 235 km”. Isto é progresso? É isto que queremos para nossas cidades? Para nossas vidas? Ficarmos engarrafados no trânsito, dentro de um veículo com ar condicionado, por horas a fio? Não é à toa que São Paulo tem a terceira maior frota de helicópteros do mundo.
Assim, esta coisa de dizer que ter carro é símbolo de “status social”, é conversa a ser comparada por otário e pobre de espírito. Há muito tempo que os ricos em São Paulo andam de helicóptero. Também é fato comum a presença de edifícios com heliportos em suas coberturas. Para quê? Para que os grandes capitalistas não enfrentem o que todos os mortais enfrentam no seu dia-a-dia: grandes congestionamentos; muita irritação; fechadas de veículos; bate-bocas generalizados, com vidros escancarados, alguns culminando em agressões físicas e mortes de bala de chumbo grosso mesmo.
A Grande jornalista/urbanista Jane Jacobs, em seu laureado livro Vida e Morte das Grandes Cidades Americanas, teceu uma frase antológica “bicicletas aproximam as pessoas, automóveis afastam”. Como ciclista, confirmo integralmente esta máxima e posso “dar meu testemunho”. Estava em Utrecht, na Holanda, acompanhado de amigo holandês que me mostrava a cidade e os projetos nela implantados para a bicicleta. Ao final do nosso encontro nos despedimos e fiquei a olhar a sua trajetória de saída. Uns trinta metros à frente, percebi que ele se dirigia a outro ciclista e perguntava se poderia acompanhá-lo, pedalando ao seu lado. Ou seja, é possível entre ciclistas, quase de imediato estabelecer uma camaradagem, coisa muito rara em se tratando de motoristas, sempre em regime de competição e disputa por oportunidades, seja vaga para estacionar, seja espaço para circular.
No entanto, o maior egoísmo social é a publicidade veiculada nas TVs e nos programas de auditório, fazendo do automóvel o objeto de desejo de consumo das classes de renda muito baixa. São inúmeras as residências que mal têm seis metros de testada de lote, mas guardam espaço para abrigar um automóvel. Ou seja, têm a cama sobre o veículo. E este tem seu espaço garantido, mesmo que não haja espaço na sala de estar para comportar toda a família para assistir a um programa de TV, e/ou mesmo ter uma alimentação de qualidade.
Posso afirmar ser este um egoísmo social porque os governos não provem as cidades de espaços seguros e agradáveis para as famílias passearem ou simplesmente estar. No passado os passeios públicos, parques e praças, já cumpriram este papel. Hoje, porém, com o egoísmo exacerbado, a violência sem o freio do policiamento folgado e burocrático, transformou o espaço da rua em espaço da dúvida, da terra de ninguém e do medo.
É claro que o automóvel alarga o horizonte. Ele permite às famílias aproveitar momentos de férias e de feriados prolongados. No entanto, muitos em tempos como o da Semana Santa ou do próximo feriado de Tiradentes, ficarão na cidade. Alguns por decisão própria, outros por total falta de condições para sair de carro, ou em se abrigar na casa de um parente em outro local. O fato é que nem todos têm dinheiro sobrando para bancar estadia em hotel ou realizar gastos com viagens. Em geral, como diria Caetano Veloso, ficam nas grandes cidades os "pretos e pobres, que são quase todos pretos" e acrescento eu, e ainda alguns brancos, mas igualmente pobres, além dos velhos e dos enfermos.
Agora a nova moda entre proprietários de automóvel é usar o defectível vidro escuro, obtido com uma película conhecida como “insufilm”. Covardia. Afirmo ser isto uma covardia porque faz do motorista um ser anônimo e impede aos pedestres e aos ciclistas que entendam a intenção dos condutores de autos e se estes estão enxergando nossos movimentos. Afirmam os motoristas que este procedimento visa a dotar os veículos de melhor conforto, diante das condições do nosso País tropical, muito quente em determinados períodos e com luz por demais ofuscante. Também porque os protege de assaltos na via pública. Cretinice – adianto. A segurança é exatamente o contrário. Qualquer sequestrador ou assaltante poderá fazê-lo sem nenhuma percepção dos demais transeuntes. Dado não haver mais qualquer visão dos espaços no interior dos veículos. Assim, não há mais segurança.
É bem por isto que se comprova que casas mais seguras não são aquelas cheias de trancas e de muros altos, onde o ladrão depois de entrar se encontra seguro para praticar as maiores atrocidades, sem nada ser percebido pela vizinhança. E isto é tão real e científico que os projetos mais ricos de Florianópolis e adjacências, como em Jurerê Internacional ou em Pedra Branca, no município de Palhoça, as casas não têm muros, mas cercas singelas, com arbustos sempre cortados à meia altura.
De volta à mobilidade, não se entende porque os governantes apartaram a bicicleta do cenário das cidades, deixando de oferecer infraestruturas adequadas e seguras à circulação dos ciclistas. Dizem os governantes “não há espaço”. É claro que não, nas nossas cidades mais de 30% do espaço dos seus territórios é ocupado por áreas para circulação e estacionamento de veículos motorizados.
Apenas na cidade de São Paulo a CET estima que há 1 milhão de vagas públicas gratuitas. Quantas existem em Curitiba? E em Florianópolis e em outras cidades, quantas são? 200 mil? Quantas vagas existem para deficientes nessas cidades? Em São Paulo são 158. Ou seja, 0.015% ou um centésimo e meio. Será existem apenas 158 deficientes querendo estacionar? É claro que não. Este é mais um dos aspectos do egoísmo social.
A expropriação das oportunidades urbanas daqueles que têm opção diversa – como ciclistas; ou dos portadores de deficiências físicas; não são realizadas apenas pelos detentores do poder e do capital, mas por uma parcela significativa da população, hoje identificada como grupos motorizados. O meio urbano nas grandes cidades vem sendo construído ao longo de séculos por acréscimos sucessivos aos espaços legados por nossos ancestrais. É impossível nele, sem a adoção de cirurgias profundas, “abrir” espaços para a circulação e guarda em estacionamentos ao ar livre de tantos automóveis, como querem seus proprietários.
Faz tempo a racionalidade deixou de nortear administradores públicos e a população em geral. Ela que clama por mais e mais espaço como se este fosse um direito lídimo e intocável. Ela se coloca contra o pedágio urbano; contra o pedágio rodoviário; contra os impostos; contra as zonas azuis e suas outras corruptelas; contra as multas no trânsito e as lombadas eletrônicas, as quais chamam de instrumentos da indústria da multa. Enfim, contra todos os instrumentos de controle. Chegam mesmo a dizer que a Constituição Federal garante a elas “o direito de ir e vir”. Mas qual nada, cara pálida, o direito de ir e vir se aplica ao cidadão, não ao seu automóvel.
É mesmo assim que se comporta a nossa sociedade motorizada e hipócrita. Curitiba tem um dos melhores sistemas de transportes do País, sendo objeto de desejo dos olhares de muitas cidades mundiais. Recentemente uma equipe da “Streetfilms” esteve em Curitiba, entrevistando pessoas, entre elas Jaime Lerner, o ex Prefeito e secretários municipais, para conhecer mais sobre o sistema que pretendem implantar em Nova York. Mas nós aqui insistimos em dizer que o sistema está superado.
De fato, muito ainda precisa ser mostrado quanto às mazelas decorrentes do uso exagerado da motorização no meio urbano. Principalmente quanto às poluições ambientais, devido as emissões de gases e ruídos. Sobre o primeiro aspecto, ainda na cidade de São Paulo, é alarmante o número de mortes de recém-nascidos devido a inalação dos gases provenientes do escapamento dos automóveis. Mas diriam os discípulos de São Tomé – quem polui são os ônibus e caminhões e não os automóveis. Bobagem grossa, novamente digo eu. Os carros de passeio são de longe os maiores poluidores.
Estudo realizado pela UFRGS, em 1993, observou que os automóveis de passeio eram responsáveis por 56% da emissão de gases nocivos em Porto Alegre; vindo em seguida os ônibus, com 14%; depois os caminhões, com 12%; as indústrias da periferia urbana, com 12%; outros 6% atribuídos a emissões diversas, como queimadas. Ocorre que as pessoas não se dão conta deste mal produzido pelo automóvel. Isto porque as emissões dos carros são quase invisíveis, mas em número avassalador. E como se obtêm isto? Perguntariam os céticos. Ora, através da análise de filtros colocados em pontos específicos da cidade. Também porque os combustíveis utilizados pelos veículos são diferentes nas suas composições. Simples, não é mesmo?
Esta é uma das várias razões porque devemos controlar cada vez mais o uso do automóvel no meio urbano. Ter automóvel é sim uma coisa boa. Mas usá-lo indiscriminadamente é mais do que um ato anti-social é uma agressão ao seu vizinho; um desrespeito à saúde do seu avô, da sua avó. A natureza humana agradece e lhe dá boas vindas à sociabilidade e a um mundo menos egoísta. E que tal se, ao invés de ir à feira com o seu carrinho, não vá a pé ou de bicicleta e aprecie os jardins das casas dos vizinhos? Quem sabe não nasça em seu dia um pouco mais de prazer e identificação com a cidade em que escolheu para viver?
Mas se nada disso faz parte das suas pretensões, não lamente a crise, não diga que a cidade está ficando insuportável. Você ainda não está preparado/preparada para viver num ambiente do Século XXI. Interessante o que nos diz um texto que li recentemente, no qual não lembro agora o autor – me perdoem –, no qual é feita uma comparação entre Berlim e Bangcok. Mostrava o texto que Berlim tem três vezes mais automóvel do que a cidade asiática, mas ao contrário, o número de viagens motorizadas correspondia a menos de um quarto da capital tailandesa. O texto afirma que se a posse de veículos motorizados representa a riqueza de uma nação, o uso do carro de forma indiscriminada demonstra quão pobre ainda esta nação se apresenta. Não foi à toa que um dos maiores investimentos de Berlim, realizados para a Copa do Mundo de Futebol de 2006, destinou-se a dar maior mobilidade para a bicicleta. Em especial, entre os estádios e os hotéis; e entre os terminais do transporte coletivo os estádios e os novos hotéis, construídos para atender a grande demanda aos eventos.
Mas se nada deste texto a(o) convenceu da ignomínia que é ir a padaria buscar seu pão no automóvel, esqueça. De fato, o mundo gravita ao redor do seu umbigo. Deixo apenas um pequeno abraço. Da minha parte, vou continuar pedalando minha bicicleta, indiferente às suas reclamações ingênuas e ineficazes para com a ganância dos impostos governamentais em cima do seu objeto de consumo maior, do seu papagaio de estimação sobre quatro rodas. Passar bem.
Antonio C. M. Miranda foi Presidente da União de Ciclistas do Brasil – UCB,
é sócio-diretor da AH-8, empresa especializada em planejamento e projetos cicloviários.

4 comentários:

  1. Qual seria a solução para ir trabalhar? Levar e buscar filhos na escola? Ir ao supermercado? Não venha me dizer para pegar ônibus, pois com carro, você antes. Quem trabalha o dia inteiro, precisa de agilidade. Horário de almoço curto...Almoçar, pegar os filhos, levar na escola, trabalhar, sair do trabalho, pegar os filhos na escola...De bicicleta??? de ônibus???

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  2. Senhor Anônimo (1ª Parte),

    Primeiramente, peço desculpas por esta resposta um tanto tardia. Mas ocorre que estive viajando muito e, de forma ininterrupta, para fazer um mestrado a 614 km de Curitiba. E isto durante toda as semanas. Assim, viajo no domingo à noite, somente retornando a capital paranaense na sexta feira pela manhã. Mas este é um assunto que não vem ao caso, apenas justifica pelas minhas atribulações a demora em conceder uma resposta.

    Em segundo lugar, adianto que irei respeitar sua preferência em se manter anônimo. Mas é claro preferia tratá-lo com um nome. O nome representa uma diferenciação entre humanos para melhor chamá-los à distância, para exercer uma relação mais cordial, desde o tempo das cavernas, desde tempos imemoriais. É a marca capaz de nos diferenciar sem nossa presença física.

    Retornando aos trilhos. As suas perguntas quiseram desqualificar o meu artigo. No entanto, confesso elas não afetaram meus pontos de vista. Insisto em dizer que a sociedade da carrocracia é egoísta. Manipulada, a mente social coletiva moldou-se à condição da imprescindibilidade do automóvel. Com isto deixou de realizar maiores exigências pelo transporte coletivo e por outras formas de mobilidade, como a bicicleta. Também deixou de exercer pressão para a melhoria e aumento da qualidade dos passeios nas calçadas das cidades. Assim, para andar menos de dez quadras e retornar outras tantas, em um trajeto de dois a três quilômetros (ida e volta) a grande maioria faz uso do automóvel.

    Recentemente um neto com seis anos de idade veio morar em minha casa por uns tempos. Minha esposa matriculou-o no Madre Anatólia, na Rua Princesa Izabel, nas Mercedes, cerca de doze quadras do local onde moro, na Carlos de Carvalho, pouco acima da Praça Espanha. Pois bem, minha esposa estava se sentindo acima do peso, com algumas dores nas articulações. No dizer popular um pouco enferrujada e descuidada com os exercícios físicos. E mais, pelo menos três dias por semana tinha de ir ao centro para resolver problemas da minha empresa, dado que estou passando por uma mudança drástica na minha vida com a realização do tal mestrado. Devo adiantar que a Internet tem me ajudado muito para resolver questões administrativas do meu escritório. Além disto, tive a sorte de realizar duas consultorias na mesma região onde estou fazendo o mestrado. No entanto, os problemas administrativos da empresa permanecem e, não fora a ajuda da minha esposa, nada poderia andar em nossas vidas, em minha vida.

    Pois bem, a esposa começou a levar e trazer diariamente o neto à escola, seguindo depois para o centro onde realiza os serviços administrativos. Devo dizer que em pouco mais de um mês de caminhadas, algumas sob chuva, junto com o neto ou sem ele, numa pequena maratona de cerca de 5 km diários, perdeu cerca de quatro quilos, passando a se sentir melhor. Afora isto passou a ter um estrito relacionamento com a criança. Assim, aproveita o tempo em que caminham juntos para atuar também como educadora, ensinando-o no trajeto a se comportar na via pública, a respeitar regras de trânsito e ainda observar comportamentos inadequados e problemas ao longo do trajeto, em especial aqueles a serem superados pelos pedestres.

    Antonio Miranda

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  3. Senhor Anônimo (Parte 2)

    Mas o meu interlocutor anônimo poderia dizer – “mas ela somente faz isto, eu tenho inúmeras atividades a realizar”. Quero contestar de pronto esta hipótese, dizendo que nós brasileiros temos o mau hábito de não nos planejarmos. Não planejamos o horário de saída, o horário de chegada, e mesmo nossa própria vida. Se assim fizéssemos poderíamos dedicar um tempo a menos no horário do almoço ou conceder um tempo a mais para a caminhada. Com isto atingiríamos mais facilmente, sem atropelos, os destinos para os quais os compromissos exigem nossa presença. Mas poderia meu interlocutor dizer também – “ora, o transporte coletivo não é adequado. As calçadas e passeios são desconfortáveis”.

    Neste caso, as calçadas e o transporte coletivo estão assim porque as autoridades públicas não são pressionadas para alterar a qualidade desses serviços e equipamentos. É claro que ela dá muito mais atenção aos formadores de opiniões, como deve ser o caso do meu interlocutor, um usuário contumaz do automóvel. É claro que se a classe média passar a reivindicar melhores calçadas, assim como exige maior espaço e melhores condições para a mobilidade por automóvel, teremos mudanças significativas nas ações do poder público, atualmente entregue aos desejos dos técnicos de plantão e aos grupos políticos no poder, que decidem por nós sobre o que realizar para o nosso próprio bem. Devo acrescentar que a maioria pensa que se for atendida na sua “liberdade” para se deslocar em seu automóvel, nada mais importa, façam o que quiser fazer com as outras questões “deixe-nos viver”. E isto me parece um posicionamento social coletivo extremamente egoísta.

    Antonio Miranda

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  4. Senhor Anônimo (Parte 3)

    Acredito ser preciso pressionar sim o poder público por melhores calçadas, talvez até mesmo lixar estas pedras chamadas pelos técnicos de “lousinhas”. Talvez seja desejável passar a usar pedras basálticas em substituição a estas pedras em uso atual, sem polimento, pedras brutas, extremamente desconfortáveis para uma caminhada de uma quadra, o que dirá doze quadras. Talvez seja melhor qualificar os serviços coletivo com o uso de ônibus com plataformas baixas, como existe em muitas outras cidades brasileiras. Talvez devamos mudar os atuais ligeirinhos e bi-articulados por “tramways” (bondes) modernos, circulando por vários trajetos, por muitas ruas da cidade. Talvez devamos pressionar para termos efetivamente o metrô, mas não somente no eixo sul/norte, mas com outras opções de trajetos, com outras linhas.

    Somente assim poderíamos deixar o automóvel para tarefas mais específicas, como uma viagem a mais de 30 km do local da residência, ou para viagens de férias, ou ainda para ir às compras mensais domésticas. Mas mesmo estas últimas poderiam ser realizadas a pé. Que o digam minha esposa e eu, que sempre o fazemos, comprando pouco a pouco tudo que a casa necessita.

    Para encerrar, diria que nossa sociedade se acostumou mal com o uso do automóvel. Agora, cada vez mais é difícil abandonar o hábito cômodo de sentar ao invés de mover as pernas, sorrir para o jardim do vizinho, ou ainda para a novidade vislumbrada na praça quando passamos na velocidade da nossa caminhada, e mesmo quando de relance assistimos o fato ligeiro com um simples olhar da janela do coletivo.

    Queria afirmar que não estou condenando o automóvel, objeto de desejo propagado pela mídia e por ele sustentada mensalmente. Não, o que digo e penso reflete sobre a necessidade de pensarmos em consumir a cidade e nela nos inserirmos de forma menos voraz, menos egoísta, concedendo espaço a outras formas de mobilidade, como fizeram Paris, Amsterdan, Copenhagen, Nova York, Bogotá e agora está fazendo Londres. Nelas a bicicleta foi e está sendo inserida,. Também nelas vêm sendo aumentadas as possibilidades dos deslocamentos não motorizados, com freio efetivo a sanha voraz do uso do automóvel e daqueles que julgam ser esta a única forma de mobilidade urbana.

    Despeço-me, deixando um fraterno abraço e a certeza de que alguma semente pode ser plantada no egoísmo daqueles ainda opacos às possibilidades da mobilidade não motorizada ou coletiva sobre a pele da cidade.

    Antonio Miranda

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